Foto: Uber/Reprodução
O juiz Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, condenou, na quinta-feira, 14, a empresa de corridas por aplicativo, Uber, a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos e a assinar as carteiras de trabalho de todos os motoristas cadastrados na plataforma no Brasil.
No caso em questão, o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação contra a empresa em novembro de 2021 após uma denúncia feita pela Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativo relacionada às condições de trabalho na empresa de tecnologia.
Por se tratar de ação coletiva, o magistrado mencionou que seu resultado seria algo positivo, já que repercutiria de modo uniforme: “a Justiça não pode ser uma espécie de ‘loteria’, como se a incerteza e a vagueza fossem elementos que deveriam ser sopesados pelas partes nas relações sociais”.
Por meio de nota, a Uber informou que vai recorrer da decisão e não vai adotar nenhuma medida até que os recursos sejam esgotados. Disse também que a decisão “representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo”.
Na decisão, o juiz destacou que a Uber causou danos morais coletivos ao ferir direitos constitucionais e legais mínimos da relação de emprego e ao não considerar os motoristas como funcionários registrados. “Outros elementos constitucionais mínimos foram ofendidos na esfera coletiva, como o meio ambiente do trabalho e sua prevenção e precaução, a seguridade social, a saúde, a assistência, o mínimo de dignidade e de preservação dos seres humanos em face da valorização social do trabalho”.
“A sonegação de direitos mínimos, a desproteção social, o ser deixado à margem, foram atitudes tomadas pela Ré de forma proposital, ou seja, ela agiu dolosamente no modo de se relacionar com seus motoristas”, completou Simões.
O juiz ainda ressaltou que a Uber adotou atos planejados para serem realizados de modo a não cumprir a legislação do trabalho, a previdenciária, de saúde, de assistência: “agiu claramente com dolo, ou se omitiu em suas obrigações dolosamente, quando tinha o dever constitucional e legal de observar tais normas”.
Na sentença, o magistrado fixou a indenização em R$ 1 bilhão considerando a capacidade econômica da empresa, porque, segundo ele, “A própria defesa fala em recolhimentos de impostos na casa dos R$ 4 bilhões, o que indica ganhos expressivos no decorrer do tempo em que opera no país; que opera em mais de 550 cidades, o que indica uma captação de clientela em números expressivos e há notícia pública de que a [Uber] teve lucro crescente de 29% no primeiro trimestre de 2023 e chega a um faturamento de 8,8 bilhões de dólares”.
“Olhando o valor de forma pura e simples, notadamente em um país de um povo preponderantemente pobre (ou extremamente pobre), pode parecer impactante, mas contextualizando os aspectos econômicos divulgados pelos meios de comunicação e pela própria ré, […] o valor se mostra irrisório, especialmente se observar que a presente demanda é fruto de anos de apurações, de operação da ré e do espaço geográfico em que opera, não sendo a condenação um elemento isolado no tempo e no espaço”, destacou.
Caso a empresa realize o pagamento, 90% do valor será destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador e 10% será passado para as associações de motoristas por aplicativos que tenham registro em cartório e constituição social regular, em cotas iguais e de tantas quantas forem encontradas pelo Ministério Público do Trabalho no Brasil.
Maurício Pereira Simões entendeu que todos os motoristas cadastrados na Uber cumprem os requisitos do direito trabalhista que caracterizam um vínculo empregatício:
- Pessoalidade (impossibilidade de substituição por terceiros)
- Não eventualidade (trabalho rotineiro)
- Subordinação (o motorista é coordenado pela Uber)
- Onerosidade (o motorista recebe pelas corridas feitas no aplicativo).
“Cada vez que um motorista se liga ao aplicativo, inclusive com controle facial, gera uma pessoalidade indiscutível de sua figura na prestação do serviço. É possível afirmar, inclusive, que a prestação do motorista da [Uber] é mais pessoalizada do que a de um taxista”, justificou.
Para o juiz, a subordinação é o ponto mais importante da análise do caso porque, de acordo com ele, o tema foi citado em diversos julgados, “uns para reconhecer a existência do elemento, outros para rejeitá-lo”.
“Há comprovação de que a relação permite aos clientes da [Uber] atribuírem notas aos motoristas e elas servem de parâmetro para chamadas, valores, restrições, promoções, dentre outros aspectos. O relatório indica claramente que a média de notas impacta no número de viagens, renda média diária, ficando claro o controle do trabalho, a organização de número de chamadas, o número de viagens e a renda possível de ser aferida a partir desta métrica”.
“Os motoristas seguem exatamente o modelo de negócio imposto pela Ré, nos exatos termos e formato decididos pela plataforma”, completou.
O juiz faz, ainda, uma espécie de resumo do que foi observado durante o processo acerca do tópico:
- “A [Uber] decide quem pode dirigir ou não por intermédio de sua plataforma;
- A [Uber] impõe as regras para trabalhar dirigindo por intermédio da plataforma;
- A [Uber] controla em tempo integral as atividades dos motoristas;
- A [Uber] conhece tudo, e de forma ampla e irrestrita, o que é feito pelo motorista, como e quando é feito, individualmente em relação a cada motorista;
- A [Uber] tem amplo poder fiscalizatório da atividade dos motoristas, diretamente pela plataforma;
- A [Uber] a tem poder de punir de forma média, com restrição de chamadas, bloqueios unilaterais temporários e de forma máxima, extrema, mediante bloqueio definitivo.
As informações são do G1