Quarta-Feira, 15 de janeiro de 2025
Justiça no Interior

O trabalho das pessoas transgênero e as suas peculiaridades – Luciano Dorea Martinez

Foto: Arquivo Pessoal

Apesar da existência de alguns posicionamentos sensíveis à igualdade de tratamento e a não discriminação em matéria de orientação sexual e identidade de gênero, persistem, na vida real, violência, assédio, discriminação, exclusão, estigmatização, preconceito e discursos de ódio contra quem diverge da suposta “normalidade”, levando muitas pessoas a reprimirem sua identidade e a terem suas vidas marcadas por medo e invisibilidade.

A despeito de simbolicamente existir um plexo de medidas nacionais e estrangeiras que tenta repelir essas condutas, há muito a evoluir na contenção da formação dos estereótipos e na busca da aceitação social das pessoas LGBTIQ+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais, queer e outros mais).

Para bem entender a problemática no âmbito das relações de trabalho e para que o estudo distinga claramente os sujeitos aqui analisados, é importante, de início, distinguir sexo, gênero e sexualidade.

O “sexo” diz respeito ao conjunto das características que diferenciam, numa espécie, os machos e as fêmeas e que lhes permite reproduzirem-se. Assim, o sexo está relacionado às particularidades anatômicas e biológicas que conduzem à certificação de alguém como homem, mulher ou intersexo.

O sexo é, portanto, um atributo biológico. O “gênero”, por outro lado, designa a construção psicológica, cultural e social do sexo biológico. O gênero está associado à forma como uma pessoa se percebe e também como ela quer ser vista pela sociedade. Extrai-se do gênero uma experiência subjetiva de alguém a respeito de si mesmo e das suas relações com outros gêneros. O gênero é, por isso, uma questão sociocultural; um assunto de pertencimento social e cultural.

Nesse sentido, a pessoa transgênero é aquela cuja identidade de gênero é oposta ao sexo de nascença. O transgênero tem um sexo, mas se identifica com o sexo oposto e espera ser reconhecido e aceito como tal. Nesse sentido, será transgênero a pessoa que, por exemplo, nasce biologicamente homem, mas não se identifica assim, seja por perceber-se como mulher ou por colocar-se entre o masculino e o feminino, vendo-se, consequentemente, como um ser “não binário”.

Apesar do sexo biológico designado no seu nascimento, o transgênero sente-se psiquicamente, culturalmente e socialmente integrante de gênero diverso, exigindo, por isso, o reconhecimento dessa identidade, independentemente de sua orientação sexual (homossexual, bissexual, heterossexual etc.) e a despeito de cogitar ou de desejar a realização de cirurgia de redesignação sexual.

Anote-se, de forma completiva, que a pessoa que se identifica com o gênero biológico é referida pelo termo “cisgênero”. Assim, a cisgeneridade (o prefixo “cis” sugere algo “ao lado”, “na mesma linha”, “alinhado”) é, portanto, a condição da pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao que lhe foi atribuído no nascimento. Diversamente, como já demonstrado, a transgeneridade (o prefixo “trans” sugere algo “além de”, “fora da mesma linha”, “desalinhado”) é a condição da pessoa cuja identidade de gênero diverge daquele que lhe foi imputado, por evidências, biológicas, no nascimento. Nela há uma discussão interna entre duas realidades, a morfológica, de nascença, e a psíquica, de identidade.

A “sexualidade”, por sua vez, como terceiro elemento central da discussão, “abrange sexo, identidades e papéis de gênero, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução”. A sexualidade é a qualidade daquilo que se vivencia no âmbito sexual, podendo ser expressa em pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relacionamentos. Embora ela possa incluir todas essas dimensões, nem todas são vivenciadas ou expressadas, porque influenciadas pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, legais, históricos, religiosos e espirituais. É no âmbito da sexualidade que uma pessoa, levada por sua própria orientação, pode se identificar como homossexual (lésbica ou gay), bissexual, pansexual ou assexual. A sexualidade, portanto, é uma questão afetiva.

Nesse ponto, é importante ressaltar que o “gênero” e a “sexualidade” (e, em especial, a orientação sexual) podem se comunicar, mas um aspecto não necessariamente depende ou decorre do outro. “Pessoas transgênero são como as cisgênero, podem ter qualquer orientação sexual: nem todo mundo é cisgênero e/ou heterossexual”.

Sintetizando o tópico, conforme sabiamente esclarece Letícia Lanz, “podemos descrever sexo como aquilo que a pessoa traz entre as pernas; gênero como aquilo que traz entre as orelhas e orientação sexual como quem ela gosta de ter entre os braços”.

Luciano Dorea Martinez

Doutor e Mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP. Pós-Doutor em Direito pela PUCRS Professor Associado I de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da UFBA. Titular da Cadeira n. 52 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Titular da Cadeira n. 26 da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Juiz do Trabalho do TRT da 5a Região. [email protected]

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