Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
O Superior Tribunal de Justiça manteve, na terça-feira, 05, a anulação do júri que condenou quatro réus pela tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A maioria da Sexta Turma concordou com o voto do ministro Antonio Saldanha Palheiro e rejeitou o recurso especial do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
O incêndio na casa de shows, em janeiro de 2013, causou a morte de 242 pessoas e deixou outras 636 feridas. Em dezembro de 2021, o tribunal do júri condenou Elissandro Callegaro Spohr a 22 anos e seis meses de reclusão; Mauro Londero Hoffmann, a 19 anos e seis meses; e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, ambos à pena de 18 anos.
Entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou o júri por quatro motivos principais: irregularidades na escolha dos jurados, inclusive com a realização de um sorteio fora do prazo previsto pelo Código de Processo Penal; realização, durante a sessão de julgamento, de uma reunião reservada entre o juiz presidente do júri e os jurados, sem a participação das defesas ou do Ministério Público; ilegalidades na elaboração dos quesitos; e suposta inovação da acusação na fase de réplica.
Quando o caso começou a ser julgado no STJ, em junho deste ano, o relator do caso, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou a favor do recurso interposto pelo MP, para que fosse restabelecida a decisão do júri. Para Schietti, ao apontar supostas ilegalidades no julgamento, as defesas dos réus não demonstraram o prejuízo concreto que teriam sofrido, o que impediria o reconhecimento de nulidades.
O relator ainda afirmou que outras nulidades mencionadas pelos advogados teriam expirado o prazo para serem discutidas.
Em junho, os ministros Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Junior pediram uma pausa no julgamento para analisarem melhor o caso. O processo foi retomado na terça, quando os demais ministros apresentaram posicionamento contrário ao relator e mantiveram a anulação, com fundamentos diferentes.
Em seu voto, Saldanha Palheiro afirmou que, em se tratando de tribunal do júri, cujo julgamento é feito por juízes leigos, quanto mais complexo for o processo, maior deve ser o cuidado na observância da legalidade estrita.
Quanto ao sorteio dos jurados, o ministro disse que o procedimento não observou o regramento do CPP. Segundo ele, ainda que se pudesse cogitar de flexibilização da norma para a formação da lista com número superior a 25, as circunstâncias apresentadas não são suficientes para justificar o excessivo número de 305 jurados.
Além disso, Palheiro observou que nenhum dos sorteios poderia ter sido realizado mais rápido do que a lei determina, pois poderia restringir o exercício do direito de defesa, que é causa de nulidade absoluta.
Em relação à reunião reservada, o magistrado ponderou que o recurso do MPRS nem deveria ser conhecido, uma vez que não foram atacados os fundamentos do acórdão de segundo grau. O ministro apontou que, conforme a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal, aplicada por analogia no STJ, o recurso é inadmissível quando a decisão recorrida é baseada em mais de um fundamento suficiente, mas nem todos são questionados.
O ministro também afirmou que, no tribunal do júri, o cuidado do juiz presidente deve ser redobrado. “Tenho que o ato do juiz presidente ao se reunir reservadamente com os jurados, durante os debates em plenário, desrespeitou a lei, pois inviabilizou a participação das partes no ato, impedindo que estas tivessem acesso ao conteúdo da reunião. Esse fato traz uma fundada preocupação, pois o juiz pode influenciar os jurados, ainda que de forma não proposital”, comentou.
Sobre a alegação atribuída à acusação, o ministro ressaltou que ela pode ter influenciado na avaliação dos jurados e, por esse motivo, votou pelo reconhecimento da nulidade: “Não se pode exigir da defesa a comprovação de prejuízo, pois tal imposição consubstanciaria prova impossível e diabólica, uma vez que é impossível aferir se os jurados levaram ou não em consideração a observação do Ministério Público”.
Por fim, quanto às perguntas formuladas, Saldanha Palheiro considerou que as irregularidades são causa de nulidade absoluta e afastou a hipótese de tempo limite para resolver o caso. “A inserção, nos quesitos, de imputações que não foram admitidas no julgamento do recurso em sentido estrito ofende, a um só tempo, o princípio da correlação entre a pronúncia e a sentença, e ainda a hierarquia do julgamento colegiado do TJRS”, declarou.
O ministro Sebastião Reis Junior concordou com Saldanha Palheiro. O terceiro a votar na sessão foi o desembargador convocado Jesuíno Rissato. Ele concordou com o relator em afastar as nulidades referentes ao sorteio de jurados e ao alegado excesso de acusação, mas acompanhou a divergência em relação às ilegalidades na elaboração dos quesitos e na reunião reservada do juiz com os jurados. Última a votar, a ministra Laurita Vaz também acompanhou a divergência, reconhecendo, porém, apenas as nulidades na formulação dos quesitos.
As informações são do STJ