Quinta-Feira, 9 de maio de 2024
Justiça no Interior

Infância e Juventude – A Necessidade de um olhar atento, diário e constante – Por Ana Caroline Trabuco

Foto: Arquivo Pessoal

 

Por: Ana Caroline Trabuco

 

Mais um 12 de outubro… Uma data simbólica e necessária para lembrar a todos que as questões que envolvem crianças e adolescentes são as mais diversas, estão sempre na pauta do dia, com temas delicados e sempre desafiadores, como trabalho infantil, violência sexual, gravidez na adolescência, alienação parental, relação entre o uso indiscriminado das redes sociais e saúde mental, só para ficar em alguns poucos exemplos.

 

Este ano, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou 33 anos e segue como umas das principais ferramentas legais na defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Os importantes e inúmeros avanços, por outro lado, evidenciam a necessidade da continuidade de um trabalho diário e constante, de um olhar sempre atento, para que possamos assegurar a efetividade das garantias previstas no ECA.

 

E isso, como estabelece a Constituição Federal, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

 

Sem medo do clichê e sem qualquer exagero, a vida e a dignidade de nossas crianças e adolescentes são, efetivamente, o futuro da nossa nação, mas que, de acordo com estatísticas lamentavelmente alarmantes, tiveram suas infâncias e juventudes roubadas pelo desrespeito a seus direitos enquanto pessoas em condição especial de desenvolvimento, levando consigo as marcas dos mais diversos tipos de violência.

 

Assim, os debates, a divulgação e a conscientização de todos quanto a temas que são muito caros ao país, se mostram cada vez mais urgentes, no intuito de multiplicar boas práticas e fortalecer a proteção integral de nossos pequenos e jovens.

 

E, nesse sentido, vale divulgar o sistema de proteção a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, instituído pela Lei n. 13.431/2017. Trata-se do Depoimento Especial e da Escuta Especializada, mecanismos criados como medidas de proteção a menores em situação de violência, a qual, nos termos do artigo 4º da referida lei, pode ser física, psicológica – no que se incluem bullying e alienação parental -, sexual (abuso, exploração, tráfico de pessoas), institucional e patrimonial.

 

Enquanto a Escuta Especializada é uma entrevista com a criança ou o adolescente sobre a situação de violência perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário, o Depoimento Especial é procedimento de oitiva dessa criança e desse adolescente perante a autoridade policial ou judiciária.

 

Ambos visam evitar a revitimização, ouvindo a criança e o adolescente vítima ou testemunha de violência na menor quantidade de vezes possível, sempre em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade, resguardando-os de qualquer contato, ainda que visual, com o suposto acusado ou pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento. Por esse motivo, são também conhecidos como depoimento sem dor ou depoimento humanizado.

 

Há trabalhos em todo o país no estabelecimento de fluxos e políticas de atendimento, visando a integração das ações de toda a rede de proteção para que os sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde adotem suas ações, de forma articulada e coordenada, com vistas a uma maior efetividade e menor revitimização pelas instituições.

 

Na Bahia, o Tribunal de Justiça já conta com salas de Depoimento Especial que seguem todo o protocolo para a oitiva de crianças e adolescentes em situação de violência, sendo a comarca de Vitória da Conquista uma importante referência no assunto, com boas práticas no particular. Onde, por um esforço conjunto, do sistema de justiça, prefeitura, conseguiram instalar sala de depoimento especial

 

Vale esclarecer, por fim, que, apesar de bem mais utilizadas pelas Varas da Infância e Juventude, assim como pela DERCCA – Delegacia de Repressão a Crimes contra a Criança e o Adolescente -, as Salas de Depoimento Especial podem ser requisitadas por advogados, promotores e/ou Magistrados, se houver a necessidade de oitiva dos menores envolvidos em ações que tramitam perante as varas de família, cujo objeto seja, por exemplo, a modalidade de guarda a ser fixada no melhor interesse do menor, ou até mesmo alienação parental.

 

O Superior Interesse e a Proteção Integral de crianças e adolescentes são o bem da vida a ser tutelado, como dever diário de todos – família, Estado e sociedade civil – sendo fundamental o esforço conjunto e coordenado dos sistemas de justiça, segurança pública, saúde, educação e assistência social na construção de soluções mais efetivas para as complexas e urgentes questões que envolvem as necessidades e os direitos dos menores e que escapam ao alcance da letra fria da lei.

 

É preciso, portanto, seguir na busca constante de caminhos que permitam que crianças sejam crianças e possam sonhar com um futuro melhor, sem jamais perder a esperança na construção de um país mais justo e solidário.

 

[1] Art. 227, caput, da CF/88. Grifos e negritos acrescidos.

 

Ana Caroline Trabuco é advogada especialista em Direito de Família e de Sucessões, mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), presidente da Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente da OAB/BA, desde 2019 e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões na Bahia (ADFAS).


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