Quinta-Feira, 21 de novembro de 2024
Justiça no Interior

Após advogado relatar recusa de atendimento de juiz, Amab critica uso “indevido” das prerrogativas

Foto: Reprodução

 

Por Malu Lima

 

Na segunda-feira, 18, o juiz da 6ª Vara Cível de Salvador, Carlos Carvalho Ramos de Cerqueira Jr e o advogado Antônio André Mendes se envolveram em uma discussão durante o horário de atendimento do magistrado.

 

O desentendimento foi registrado em vídeo. Os dois juristas aparecem nas imagens discutindo e trocando ofensas verbais. Conforme a filmagem, Antônio André alega ter tido o atendimento negado a ele e à colega advogada La Rúbia Oliveira. Ele afirma estar esperando há duas horas no gabinete. 

 

Entretanto, o juiz Carlos Carvalho nega a história do advogado. O magistrado afirmou que Antônio André estava mentindo, e que teria ido até a unidade apenas para “causar confusão”.

 

O vídeo ainda mostra o magistrado chamar Antônio André de “palhaço”, “idiota” e “imbecil”. Ele também sinaliza ter atrasado o atendimento para atender uma mulher idosa que também aguardava no local. “Você está se comportando como qualquer um aqui”, falou o juiz. “Ela é uma senhora de idade, isso é o Estatuto do Idoso”, complementou. 

 

Logo em seguida o advogado Antônio André Mendes Oliveira diz: “Eu estou com medo de ser perseguido pelo senhor agora. O senhor é agressivo”. Após a fala, o advogado foi “convidado” a se retirar do gabinete e o juiz informou que iria chamar a Polícia Militar. O advogado se recusou a sair: “o senhor não tem altura para me tirar daqui”.

 

“Você está gritando até agora seu idiota, imbecil. Você é um imbecil, seu idiota. Você é um imbecil, palhaço, que está querendo procurar palhaçada aqui. Você nem homem é, você é um rato”, disparou o  juiz Carlos Carvalho ao questionar a outra advogada presente na unidade se ela também havia filmado a chegada do advogado aos gritos no gabinete.

 

“Você acha que ser advogado é o quê? É chegar aqui gritando, é? Todos aqui são testemunhas. Você está pensando o quê? Todo mundo aqui é testemunha do mal comportamento do senhor”, reforçou o magistrado. 

 

“Meu querido, eu só quis atender a senhora de idade e o senhor não permitiu”, disse o juiz. Nesta parte do vídeo, o advogado Antônio André aparece andando para trás e questionando o magistrado: “você vai me bater?”. “O senhor só fez isso para perseguir, excelência”, falou o advogado. 

 

A equipe de reportagem do Justiça no Interior entrou em contato com o advogado Antônio André, mas ele optou por não ceder entrevista sobre o caso.

 

Posicionamento da Amab

 

Por meio de nota, a Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) esclareceu que repudia e se preocupa com os acontecimentos ocorridos na 6ª Vara Cível da Comarca de Salvador. A entidade destaca os advogados ofenderam a razoabilidade quando se dirigiram para a Vara a fim de obter atendimento obrigatório pelo magistrado “no horário por eles próprios estipulados”.

 

O presidente da Amab, Júlio Lemos Travessa, ainda afirmou que os advogados “desprezaram que o magistrado estava tentando atender, antes deles, a um caso de fato urgente – outra advogada idosa com familiar necessitando de providências de saúde. Por fim, não sem muita algazarra, protagonizaram atos totalmente incompatíveis com a elevada função da advocacia”.

 

Na nota, o presidente também diz que considera necessário tomar medidas adequadas, incluindo a abertura de um processo administrativo mediante representação no órgão apropriado.  A entidade ainda afirma ser necessário que a comunidade jurídica mantenha a serenidade afaste o uso indevido de prerrogativas, que configuram abuso de direito.

 

Posicionamento da OAB

 

A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB-BA) afirma que a Comissão de Prerrogativas está acompanhando o caso e o advogado. Segundo a OAB-BA, tudo começou por volta das 10h, quando vários advogados aguardavam atendimento pelo juiz da 6ª Vara Cível e o magistrado anunciou que “não atenderia nenhum advogado, faltando apenas dois dias do início do recesso forense”.

 

“Os advogados e advogadas passaram a exigir o atendimento, como manda a lei e acionaram a Comissão de Direitos e Prerrogativas. Nesse interim, o corregedor dos Cartórios Integrados teria saído do gabinete do juiz e informado aos advogados que, a pedido da advocacia, o magistrado atenderia a todos”, conta entidade em nota. De acordo com a OAB-BA, ao chegar a vez do advogado, o juiz teria se negado a atendê-lo pelo critério de ordem de chegada, dizendo que o atenderia somente após todos os outros. A partir daí é que teria sido iniciada a troca de ofensas. 

 

A Procuradoria de Prerrogativas da OAB-BA já foi acionada e tomará todas as medidas cabíveis no caso. A presidente da OAB da Bahia, Daniela Borges, acompanhada pelo presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas, Victor Gurgel, recebeu o advogado ofendido na tarde da terça-feira, 19, na sede da Seccional. “As prerrogativas da advocacia são inegociáveis e uma agressão a um advogado é uma agressão a toda a advocacia. Não mediremos esforços na defesa dos colegas”, declarou a presidente.

 

Posicionamento do TJBA

 

A equipe de reportagem do Justiça no Interior tentou fazer contato com a 6ª Vara Cível de Salvador, mas não obteve retorno. 

 

Entretanto, a Corregedoria-Geral de Justiça do tribunal publicou no Diário Eletrônico desta terça-feira, 19, a decisão para instauração de “expediente para apurar as condutas retratadas no vídeo”. O corregedor-geral, desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano, determinou a abertura de reclamação disciplinar contra o juiz Carlos Carvalho Ramos de Cerqueira Jr. no sistema PJeCor.

 

O desembargador também ordenou a notificação do magistrado a fim de que, no prazo de cinco dias, preste esclarecimentos sobre os acontecimentos retratados; da OAB-BA para que, a título colaborativo, também no prazo de cinco dias, apresente manifestação/informação que eventualmente possua sobre os fatos; e da direção da 6ª Vara Cível da comarca de Salvador e assessoria do magistrado para que, dentro de cinco dias, apresentem a pauta de atendimentos da presente de 18 de dezembro, bem como esclarecimentos sobre os fatos verificáveis no vídeo.


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