Foto: Marina Silva/Correio
Natural de Guanambi, região sudoeste do estado, a ex-PM de 39 anos, Jane Oliveira, nunca sonhou em ser policial. Porém o benefício de uma vida estável atraiu Jane, na época estudante de Educação Física na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), para ser concurseira da PMBA.
Jane conta à reportagem publicada na terça-feira, 22, no Jornal Correio, que desde os primeiros anos como policial já recebia apelidos pejorativos, mas que pioraram com a chegada de um novo colega e com o início da sua transição de gênero.
O colega a quem Jane se refere, a assediava moral e sexualmente. Chegava a tocar nos seios dela e, sempre que fazia isso, dizia: “Deixa eu ver os peitinhos dessa menina”. O assédio tinha outras formas e Jane denunciou a situação a superiores. Após as queixas, ela passava períodos longe do policial, mas a mudança não era definitiva e os problemas seguiam.
O conflito que iniciou todo o processo de demissão de Jane, ocorreu em uma madrugada em que Jane estava bebendo e por isso não se lembra dos detalhes, mas segundo ela, saiu do bar presa por “desacato ao superior hierárquico”.
Na queixa apresentada à 17ª Companhia de Polícia Militar, o então cabo acusa a colega, abaixo no nível hierárquico, de ofendê-lo. Jane, no dia da prisão e todas as vezes em que foi questionada, afirmou que ele a perseguia. A confusão gerou um Processo Administrativo Disciplinar (DAP) contra Jane.
O artigo número 298 do Código Penal Militar (CPM) define que desacatar e ofender a “dignidade e o decoro” de um superior é crime passível de reclusão de até quatro anos. A pena é agravada se o superior é oficial general ou comandante da unidade.
Jane esperou o resultado do processo em atividade e esperava que a penalidade, se existisse, fosse mais branda. O resultado, em março de 2018, mostrou o contrário: a partir dali ela não fazia mais parte da PM. “Caiu o meu chão, minha vida virou”, conta Jane, aos prantos.
A demissão da então policial foi amparada no Artigo 57 do CPM, por “insubordinação ou desrespeito grave contra o superior”. Quatro meses depois da demissão de Jane, o colega que ela acusa de assédio foi promovido a sargento. A PM não respondeu a quantidade de policiais demitidos por insubordinação ou desrespeito ao superior.
“Não é comum um policial ser demitido pela razão que Jane foi. Em nenhum momento o processo [administrativo] fala do gênero de Jane, é um preconceito travestido de desrespeito ao superior hierárquico. Ela é pioneira, é a primeira [mulher transexual na PM da Bahia] que se tenha registro público”, afirma Dinoermeson Nascimento, advogado de Jane.
Depois da demissão, Jane nunca encontrou um trabalho fixo e, por medo, não falava publicamente sobre os assédios e a transfobia sofridos. “A PM é vingativa”, justifica a ex-policial. Em Guanambi, Jane passou a trabalhar como diarista e voltou para casa dos pais, pois não conseguia bancar uma residência.
Jane acredita que sua briga não é só por ela, mas por todas que virão depois dela e também por mulheres que passam e passaram pelo que ela passou. “Não posso mais me calar”, ela diz. Aos poucos, em Salvador, a ex-PM se adapta a uma nova rotina. Na maior parte do tempo, estuda – ela quer passar num concurso público.
Do dia em que foi exonerada até hoje, Jane espera por uma decisão judicial favorável para retornar ao trabalho que nunca veio.
As informações são do Jornal Correio