Sexta-Feira, 22 de novembro de 2024
Justiça no Interior

STF declara inconstitucional trecho de lei baiana que definia marco temporal para regularização fundiária de comunidades tradicionais

Foto: Gui Gomes/Repórter Brasil

 

Na última quarta-feira, 06, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da lei que impunha uma espécie de marco temporal para a regularização fundiária das comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto, na Bahia. 

 

A decisão acatou a Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Ministério Público Federal em 2017, contra dispositivo da Lei 12.910/2013, que estabelecia o prazo de 31 de dezembro de 2018 como data limite para o protocolo de pedidos de certificação de reconhecimento de terras públicas estaduais, rurais e devolutas no estado.

 

O vice-procurador-geral da República, Luiz Augusto Santos Lima, reiterou, em sustentação oral, os termos do pedido do MPF. Lembrou que a Constituição Federal protege as comunidades tradicionais, resguardando seu direito de existir e preservando sua identidade, traduzida nos modos de criar, fazer e viver. 

 

Além disso, o vice-PGR afirmou que a Carta Magna não criou limite temporal algum para que tais populações sejam reconhecidas como tradicionais e tenham resguardado seu direito à existência.

 

Lima resgatou o histórico de conflitos e a situação de vulnerabilidade em que se encontram os povos tradicionais. “Ao longo dos anos, essas comunidades têm lutado pela garantia de sua identidade, cultura e demais direitos que são rotineiramente violados, seja por ação de particulares interessados em suas terras, seja por atuação de entes estatais”, destacou.

 

Ressaltou, ainda, que a posse das terras é essencial para a preservação e a subsistência das duas comunidades. “A regularização fundiária dos territórios é a verdadeira condição para a manutenção dessas comunidades.

 

Negar-lhes a regularização fundiária equivale a comprometer a existência e a continuidade ancestral dessas comunidades”, salientou o vice-PGR, lembrando que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece a posse e propriedade da terra pelos povos tradicionais.

 

Ao analisar a ação, a relatora do caso, ministra Rosa Weber, votou pela inconstitucionalidade da norma questionada. “O dispositivo impugnado retirou por completo o abrigo protetivo que as comunidades tradicionais encontrariam no ordenamento jurídico estadual, em termos de proteção da terra que ocupam, necessária a sua reprodução física e cultural”, observou a presidente da Suprema Corte.

 

As populações de Fundo e Fecho de Pasto são comunidades tradicionais que vivem de pastoreio comunal e culturas de subsistência em áreas rurais do sertão da Bahia. O grupo tem mais de 200 anos de história, sendo conhecido pelo uso adequado dos recursos da Caatinga, e por adotar técnicas de preservação do bioma. Estima-se que haja entre 11 mil e 17 mil famílias vivendo nas comunidades de Fundos e Fechos de Pasto, na Bahia.

 

Diante da expansão do agronegócio nessas regiões e do aumento de conflitos fundiários, desde a década de 1980, o Estado reconhece a necessidade de regularização fundiária, mas, na prática, poucas áreas individuais e coletivas foram regularizadas.

 

A ADI proposta pelo Ministério Público teve como alvo apenas o artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei 12.910/2013, que fixava a data limite para protocolização de pedidos de reconhecimento fundiário pelas comunidades tradicionais. O julgamento da ação não atinge o restante do teor do dispositivo.

 


COMPARTILHAR