Foto: G1 Bahia
O Ministério Público Federal apresentou à Justiça uma denúncia contra a empresária acusada de manter duas funcionárias em situação de trabalho análogo à escravidão e de cometer violência contra uma delas, em Salvador, na Bahia. Melinda Esteve França foi denunciada duas vezes pelo crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no artigo 149 do Código Penal, e por lesão corporal, previsto no artigo 129 do CP.
Na peça de acusação, o MPF esclarece que não irá propor acordo com a empresária por conta do elevado grau de reprovabilidade das condutas. Além disso, o MP frisa que o acordo não seria suficiente para a reprovação e prevenção dos crimes imputados à denunciada.
A denúncia narra que Melina França submeteu duas empregadas contratadas para executar tarefas domésticas em condições degradantes no exercício das atividades laborais, análogas à de escravo.
Segundo a denúncia, as empregadas foram submetidas a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, vigilância ostensivamente abusiva, restrições à liberdade de locomoção, retenção de bens pessoais, com o propósito de mantê-las compulsoriamente no local de trabalho, além de reiteradas agressões físicas e morais.
O procurador da República Cláudio Alberto Gusmão Cunha, que assina a peça, aponta que todos os fatos relatados foram plenamente comprovados, inclusive com base nos depoimentos da denunciada.
De acordo com o procurador, uma das funcionárias, que foi contratada para a função de babá das filhas trigêmeas da denunciada, teve relação trabalhista marcada por uma série de condutas ilegais. “Para além da patente violação de regras laborais básicas, descambaram para atos abusivos, violentos e degradantes, que ofenderam a ex-empregada (…) em sua dignidade”, pontuou.
Conforme a denúncia, Melina França, que se tornou ré no processo, não formalizou o registro do vínculo empregatício da babá na Carteira de Trabalho e impôs uma jornada “manifestamente superior à prevista em lei (limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais)”.
Além disso, a denunciada definiu um salário mensal no valor de R$800,00, inferior ao mínimo legal fixado de R$ 1,1 mil para o ano de 2021, época dos fatos. O MPF também registra que a babá sofria vigilância ostensiva no local de trabalho com restrições à liberdade de circulação, ofensas morais com xingamentos diversos e agressões físicas.
Ainda conforme a denúncia, Melina França também reteve o aparelho celular da babá como forma de mantê-la no imóvel e monitorar suas mensagens impedindo contato com terceiros.
No dia 25 de agosto de 2021, cinco dias após a sua contratação, a babá relatou que se sentiu ameaçada, inclusive de morte, após novas agressões e com receio de novos atos de violência. “Num gesto de desespero, lançou-se através do basculante instalado no banheiro, vindo a cair sobre a laje do 1º andar do edifício”, relata a denúncia.
De acordo o documento, a queda gerou inúmeras lesões, como equimoses, escoriações, edema traumático e ferimentos, conforme discriminado no laudo pericial. Após esses desdobramentos, foram acionados o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e a Polícia Militar. Em seguida, foi instaurado inquérito na 9ª Delegacia Territorial da Polícia Civil do Estado da Bahia.
O documento também narra que Melina França cometeu diversas ilegalidades contra outra empregada, contratada para o trabalho doméstico. Conforme a denúncia, a relação também foi conduzida “ao arrepio das leis trabalhistas e permeada pela prática reiterada de atos ofensivos, inclusive com violências físicas, e atentatórios contra a dignidade” da empregada. A situação cessou apenas quando ela conseguiu fugir da residência onde trabalhava.
O procurador aponta que, neste caso, também não houve assinatura da Carteira de Trabalho e “sequer o pagamento regular de salários”, além da imposição de rotina excessiva de trabalho com jornadas que excediam em muito as 8 horas diárias e o limite de 44 horas semanais estabelecidos para os trabalhadores.
O Ministério Público do Trabalho informou à Justiça que a denunciada firmou acordo perante a Justiça do Trabalho, no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho. Segundo Gusmão, o acordo tem por objeto os fatos narrados na denúncia, “o que revela sua admissão de responsabilidade pelos ilícitos verificados”.