Por Filipe Ribeiro Xavier
A Sinfonia nº 5 de Ludwig van Beethoven, escrita entre 1804 e 1808, foi objeto de um intenso debate entre os professores de música William Daughty e Thomas Clifton.
O motivo foi a utilização do silêncio na composição.
Para Daugherty (1979, p. 16), a pausa silenciosa tinha a função de completar a métrica do compasso da sinfonia, ao passo que Clifton (1976, p. 169) defendeu que se trata de um silencio pré-perfomance, isto é, possui significado antecipatório para a música que está por vir.
De toda sorte, Bielschowsky e Aquino (2018, p. 3) relatam que, por ser a sinfonia conhecidamente uma obra de difícil unidade rítmica, os maestros solicitam aos músicos da orquestra que “sintam a pausa” para, por meio dessa sensação, poderem definir o motivo que permeia o movimento como um todo e facilitar a fluência.
Em suma, grande parte da genialidade de Beethoven está em perceber que a melodia é composta pela materialidade do compasso entre som e silêncio, cada qual utilizados na medida e no tempo certo, sem que isso seja uniforme, mas obedeça a uma dinâmica ótima.
Não por acaso, lidou bem com a surdez que o acometeu e compôs a Sinfonia nº 9, apenas se recordando dos sons e com exímio conhecimento matemático para lidar com as cifras, obra que foi declarada patrimônio mundial pela Unesco.
Uma das principais lições alcançadas a partir da aproximação da teoria jurídica das leis naturais que regem o comportamento do contribuinte é que a função tributária deve ser exercida com habilidade para escolha de posturas comissivas e omissivas, com evidente respeito pelos espaços vazios de tributação deixados pelo legislador.
O Estado fiscal tem como principal implicância a separação entre Estado e sociedade. O Estado cuida das questões políticas e a sociedade, da economia. Assim, há substrato econômico para tributar.
Ele se faz presente ao incidir o tributo ou regulamentar e se ausenta em determinadas situações nas quais o exercício de práticas individuais livres maximiza a riqueza social, sendo que, tal como ensinou Beethoven, essas pausas são dinâmicas, não lineares, às vezes benéficas, noutros tempos não.
A natureza jurídica do dever fundamental de pagar impostos não é a sujeição passiva do contribuinte numa relação assinalagmática. Dito de outro modo, o imposto não é uma ausência de sinalagma (Nabais, 2004, p. 198).
A relação jurídica tributária na qual o contribuinte é tratado com respeito e se busca estabelecer relação de confiança e eficiência é a sinalagmática funcional, natureza jurídica do dever fundamental de pagar impostos.
É o tipo de negócio jurídico no qual unem-se esforços cooperativos, cada qual relevante ao seu modo, para se alcançar o resultado útil do contrato, nesse caso, o contrato social (Silva, 2017, p. 50).
O sinalagma funcional não atrela uma prestação a uma contraprestação, mas estabelece um vínculo de correspectividade entre todos os polos da relação com vistas em uma externalidade positiva. No caso da relação tributária, essa externalidade, ou resultado útil, é adesão das pessoas ao contrato social e desenvolvimento socioeconômico, que somente podem ser estabelecidos através de um ambiente de confiança, muito marcado pela percepção das justiças nas suas variações procedimentais, redistributivas e retributivas.
Se por um lado a pausa fiscal permite trocas comerciais que alimentam a empatia entre os homens, como vem sendo apontado pela ciência comportamental (Zak, 1998), por outro, a ação do Estado é relevante para corrigir desvios, sempre voltado ao desenvolvimento humano e da vida em coletividade.
Referências bibliográficas
BIELSCHOWSKY, Pedro; AQUINO, Felipe Avellar de. O silêncio na música: os momentos e suas funções. In: XXVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música — Manaus — 2018. Anais… Manaus — AM, 2018.
CLIFTON, Thomas. The Poetics of Musical Silence. The Musical Quarterly, Oxford University Press, v. 62, nº 2, p. 163-81, 1976.
DAUGHERTY, William Patrick. The Significance of Silence in the String Quartets of Beethoven. 1979. Tese (Mestrado) — Department of Music, Ohio State University, 1979.
NABAIS, José Casalta. O Dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004.
SILVA, Rodrigo da Guia. Novas perspectivas da exceção de contrato não cumprido: repercussões da boa-fé objetiva sobre o sinalagma contratual. Revista de Direito Privado, v. 78, p. 43-83, 2017.
Felipe Ribeiro é Mestre em Direito (UFBA), professor da Faculdade Independente do Nordeste, procurador do Estado, ex-professor da Universidade Federal do Mato Grosso, ex-Procurador Municipal, ex-Presidente da União dos Procuradores do Município de Cuiabá.