Gabriela Garrido é delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e presidente de honra do Instituto TEAR.
Foto: Arquivo pessoal
Por Gabriela Garrido
Posso começar dizendo que ser mulher é, sobretudo, desafiador. É verdade, avançamos em alguns aspectos, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Também não podemos tratar todas a mulheres como se tivessem as mesmas demandas, como uma massa homogênea de seres. Não são. Para algumas o avanço é mais visível, para outras não. As necessidades de uma mulher pobre que vive em uma comunidade rural é diversa da de uma mulher pobre de zona urbana, que é diversa de uma mulher de classe média. A realidade das mulheres negras não e mesma das mulheres brancas.
Todas essas mulheres têm em comum viver em uma sociedade centrada no macho, onde os valores são medidos de acordo com as regras dos homens. Todas elas tem sobre si uma carga de trabalho doméstico muito maior do que a dos homens, são responsáveis pelo cuidado das pessoas hipossuficientes da família, sejam elas as crianças, os idosos ou os doentes. Continua sendo a maior – às vezes a única — responsável pela segurança emocional, harmonia e união dos integrantes. Às vezes é cobrada e se cobra em relação a aspectos ligados à limpeza, cozinha e manutenção em geral do lar. As que reivindicam igualdade nas responsabilidades familiares são consideradas “difíceis”. Eu me pergunto quando me dizem que sou “difícil” eu devolvo a pergunta “difícil para quem”? Obviamente eu sei a resposta, mas quero levar meu interlocutor a resposta óbvia. Sim, eu sou difícil para esse tipo de homem.
No âmbito profissional as cobranças maiores continuam. Somos comparadas e julgadas por critérios dos Homens. No trabalho, os resultados, o clima da equipe, o bom relacionamento, a inteligência emocional, o conhecimento técnico, a agilidade nas tomadas de decisão são igualmente exigidos, em uma dimensão ainda maior do que é exigido de seus colegas.
Louca, agressiva, encrenqueira. A assertividade pode ser muito pejorativa às mulheres. Há um certo desconforto ainda em habitar espaços de poder, em desenvolver uma liderança própria, em assumir as próprias ambições. Isso nos tira do lugar de boas moças, tão cobiçado ainda por muitas. O acesso da mulher em espaços de poder é algo historicamente recente e percentualmente ainda muito inferior ao dos homens. Ainda somos um corpo estranho nos altos ambientes de poder, principalmente de poder Político. Até 2016 não havia banheiro feminino no senado e ainda hoje somos mesmo de 15% nos cargos do executivo e legislativo em todo o país, embora sejamos 52% das eleitoras. Isso impacta diretamente na qualidade e quantidade de políticas públicas voltadas para as mulheres. Mas isso é uma outra e longa conversa.
Ainda temos um lado cruel e obscuro da sociedade patriarcal: A violência. Mulheres tão diversas em suas trajetórias carregam em comum a dor da violência de gênero. Quanta força e determinação as mulheres precisaram para começar a sair deste lugar de violência. Sim, começar a sair, porque é um longo processo. Percebam o quanto ainda tentam impor as mulheres um lugar menor, de subserviência, de menos valia e que esse lugar muitas vezes nos é imposto por aqueles que mais amamos. Sintam o quanto ainda é pesado carregar o fardo de ser mulher em um sistema social que nos impõem o que, quando e como devemos ser, e quem ousa sair deste roteiro já traçado precisa pagar um preço alto para simplesmente ser o que é: a mulher que sai do sistema precisa ser PUNIDA.
Percebam, também, que não é luxo ou privilégio que as mulheres contem com lei protetiva e serviço especializado: isso é vital para que elas possam sair destes locais de sofrimento e opressão com o mínimo de apoio e acolhimento, que no mais das vezes são negados a estas mulheres até pelas suas famílias. Observem estes serviços são a porta de saída deste local, e o quanto ainda é necessário contar com essa porta de saída. Espero que educarmos nossos filhos e investindo em políticas públicas educacionais efetivas um dia — quem sabe? — tais serviços não sejam mais necessários. Mas hoje são mais que necessários, são serviços essenciais que devem receber o investimento e atenção que a vida das mulheres merece para que se garanta a elas um direito humano fundamental que ainda lhes é negado: o direito a viver em paz e sem violência!
Termino com um desafio que acredito que temos que propor as mulheres que alcançam as posições de poder: sejam inteligentes e abram mais espaço para que outras mulheres alcancem estes ambientes. Facilite o caminho. Apoie. A competição feminina — tão falada e ainda presente — só interessa a um grupo de pessoas: homens que não querem que as mulheres ocupem o lugar de equidade que é seu por direito.
Gabriela Garrido é delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e presidente de honra do Instituto TEAR.