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Indivíduo indenizado em R$ 35 mil por discriminação; valor pode ultrapassar R$ 70 mil com atualização
Um ambulante que foi vítima de racismo ao tentar acessar um supermercado na Barra, um dos bairros mais nobres de Salvador, obteve a confirmação do direito a uma indenização no valor de R$ 35 mil por danos morais. A decisão judicial remonta a 2017, quando o trabalhador informal buscava adquirir mercadorias para revenda. Na ocasião, ele foi abordado por um segurança que, embora tenha alegado o fechamento do estabelecimento, permitiu a entrada de um casal de pessoas brancas.
A condenação da rede de supermercados ocorreu após a intervenção da Defensoria Pública da Bahia e culminou em uma sentença proferida em 2023. A decisão, que passou por etapa recursal, foi mantida em definitivo no final de 2024. “Quando soube do resultado, vi que valeu a pena correr atrás dos meus direitos. A gente tem que denunciar o racismo. Muitas vezes, a gente sofre preconceito e não faz nada. Só por ser preto, as pessoas já acham que a gente é bandido”, declarou o ambulante em seu desabafo.
Além de ser barrado na entrada do supermercado, o trabalhador foi alvo de ofensas raciais, sendo chamado de “desocupado, preto, vagabundo”. Para a defensora pública Nayana Gonçalves, que atuou no caso, a situação enfrentada pelo ambulante é uma herança histórica da escravidão que ainda impacta a população negra no país. “A situação de violência se deu pelo simples fato de o homem ser negro, estar vestido com trajes simples e trabalhar como ambulante”, observou.
Atualmente, o processo se encontra em fase de execução, que implica a averiguação do valor a ser atualizado da indenização, que pode superar R$ 70 mil. A Defensoria Pública da Bahia se ocupou da esfera cível para assegurar a reparação dos danos morais, enquanto o Ministério Público é responsável pela ação na esfera criminal, dada a natureza incondicionada do crime de racismo.
Ressalte-se que o racismo é tipificado pela Lei Nº 7.716/89, conhecida como Lei de Crimes Raciais. Em Salvador, a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) presta suporte a vítimas de racismo na Casa de Direitos Humanos, auxiliando não apenas na propositura da ação indenizatória, mas também na elaboração do Boletim de Ocorrência e na promoção de comunicação com autoridades policiais ou do Ministério Público. No caso em questão, a cooperação de testemunhas foi crucial para a coleta de evidências, facilitando o andamento do processo. As jovens que presenciaram a situação compareceram a audiências para testemunhar sobre os atos discriminatórios. “Eu tenho contato com elas até hoje”, relatou o ambulante. Na decisão judicial, a violência vivenciada pelo trabalhador foi identificada como “um claro exemplo de manifestação de preconceito racial e social”. O veredicto ainda ressalta que “as atitudes hostis praticadas contra o autor foram presididas pelo pensamento discriminatório e excludente”, que relegou a condição do homem negro e de suas vestimentas a uma subalternidade social e econômica inaceitável em um ambiente comercial.
Para o defensor público César Ulisses Costa, que prestou o atendimento inicial ao ambulante, espera-se que o resultado positivo obtido pela Defensoria Pública funcione como um precedente para a análise de outros casos que envolvem violência racial. “As condutas discriminatórias e racistas precisam ser combatidas e punidas, não só na esfera civil indenizatória como também na seara criminal”, sustentou. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicam que a Bahia responde por cerca de 8 entre 10 processos de injúria racial no país. Somente em 2023, foram registrados 4.798 casos, com 4.049 ocorrendo exclusivamente no estado.
Com informações da Defensoria Pública do Estado da Bahia.