Segunda-Feira, 19 de maio de 2024
Justiça no Interior

Consciência negra, encorajamento e vitória! – Solange Anatólio

Um dia fui convidada para ministrar uma palestra no período noturno, na cidade de Planalto, com o tema: “A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL, ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO” (estavam comemorando o centenário de Monteiro Lobato).

Escrevi um “monte” de coisas acerca do tema, usando como parâmetro o artigo 205 da Constituição Federal. Quando lá cheguei, quase enfartava, ao verificar que o evento estava ocorrendo em plena praça pública e, seguramente, metade da população de Planalto estava no local. Uma banda chamada “Caiçara” embalava a dança dos presentes. Vi diversos pais com os filhos nos ombros dançando ao som da banda.

Enquanto eu olhava perplexa a situação eu ainda pensava: Meu Deus! Quem vai prestar atenção em palestra de educação?

E, foi nesse momento que a banda parou de tocar e anunciaram do microfone do palco: “e agora com vocês, a palestra da Promotora de Justiça”. Eu pensei em não subir, pensei em simular um mal súbito. Eu só pensava no “mico” que eu ia passar por ter interrompido a banda que despertava a atenção e alegria dos presentes, para falar sobre um tema que não cabia naquele momento, mas mesmo assim eu fui.

Enquanto me dirigia para o palco, um filme foi-se descortinando em minha cabeça, foi assim que tive uma ideia que passou a ser minha marca registrada.

Eu comecei a narrar a história de uma menina negra muito pobre que nasceu em Simões Filho, e após ter a casa destruída por conta das chuvas, ficou desabrigada com a família e foram morar dentro de uma das salas de aula da Escola Clarice Ferreira, onde aquela menina estudava durante o curso primário. Contei que a menina e a família dormiam sobre as carteiras da sala de aula, e como não podiam usar o banheiro da escola durante o horário das aulas, a família fazia as necessidades fisiológicas dentro de um galão de tinta. A família só saía do interior da sala no horário que as duas filhas mais velhas iam estudar, ou quando os pais iam trabalhar, ou muito cedo ou à noite para usarem o banheiro.

Contei que a menina estudou a vida toda em escolas públicas. Até quando decidiu, por pura ousadia, cursar direito (à época um curso destinado a uma elite ou para alunos oriundos da rede privada de ensino), no entanto a menina nunca desistiu do sonho dela, mas como achava praticamente impossível passar no vestibular de direito, resolveu fazer o vestibular para o curso de história, com o pensamento de que, depois, conseguiria uma matrícula especial para o curso de direto.

No entanto, no dia em que foi fazer o vestibular para história, o ônibus que a conduzia para Salvador colidiu com outro veículo nas imediações do CIA, daí a menina levou um corte no supercílio direito, cuja cicatriz é olhada com orgulho hoje. Ante esse fato, foi socorrida no Hospital do CIA, interrompendo o sonho desse vestibular.

A menina então revolveu ousar no próximo vestibular e foi aprovada no curso de direito. A menina, apesar de não ser inteligente, era muito estudiosa e determinada. Após se formar em direito, a menina resolveu ir um pouco mais nos estudos. Fez o concurso para Promotora de Justiça e foi aprovada.

E no final eu disse que a menina era aquela Promotora que estava falando com eles naquele exato momento. Para minha surpresa, ao terminar de contar a trajetória da menina negra de Simões Filho, ao descer do palco, percebi que uma enorme fila se formou de pais, com os seus respectivos filhos me agradecendo muito emocionados, alguns até chorando. Eles me diziam: “obrigada pela esperança que a senhora trouxe para nossos filhos”.

Enfim, a palestra que se tornou padrão em minha vida começou assim, por conta do som estrondoso de uma banda em meio a uma palestra sobre educação.

E lá estava eu narrando, na terceira pessoa, minha história de Transformação Social através da Educação.

Assim, se a palavra convence, o exemplo arrasta. Ao longo de meu caminho tento arrastar tantas quantas pessoas eu puder. Eu sempre quero mostrar que a nossa determinação é o fator transformador de nossas vidas, superando o racismo e o preconceito.

A minha determinação transformou minha vida, principalmente através da Educação. Nunca percam a menor esperança de que, embora tudo lhe pareça difícil ou impossível, nada que você alcance ou deseje está impossível de seu alcance. Lembre-se da menina negra de Simões Filho. Se ela conseguiu, por que você não?

Consciência Negra é a solução!

Solange Anatólio
Promotora de Justiça


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