Foto: MPBA
Nesta quarta-feira, 08, é destinado para a comemoração do Dia Internacional da Mulher. A data marca a luta histórica das mulheres em busca de condições equiparadas às dos homens. Desde 1970 a data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas.
Durante essa semana, o Justiça no Interior vai publicar entrevistas e textos de várias personalidades do meio jurídico baiano. Na segunda-feira, publicamos a entrevista com a desembargadora do TRE-BA, Carina Canguçu. Hoje é a vez da entrevista com a Procuradora-geral de Justiça da Bahia, Norma Cavalcanti
Natural de Inhambupe, a promotora ingressou no MPBA em 1992. Foi promotora de Justiça em Ibitiara, Araci, Cícero Dantas e Alagoinhas, sendo promovida para Salvador em 1999. Coordenou o Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça Criminais, foi presidente da Associação do Ministério Público da Bahia e da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.
Desde 2020, Cavalcanti atua como Procuradora-geral de Justiça da Bahia e está em seu segundo mandato. Ela também é presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais. Na conversa com o Justiça no Interior, ela disse que “a redução de índices de violência passa pela repressão aos autores”.
CONFIRA:
Justiça no Interior: A Bahia tem péssimos índices em áreas fundamentais da sociedade, como educação e segurança. Qual será a articulação do MPBA para auxiliar na melhoria desses números e promover justiça social?
Norma Cavalcanti: O Ministério Público do
Estado da Bahia, instituição com papel fundamental na defesa da sociedade, da democracia e da ordem jurídica, tem investido no fortalecimento de suas estruturas, principalmente das promotorias de justiça, para que possa ser vetor de políticas públicas nas áreas mais carentes de nosso estado. Educação e segurança estão na ordem do dia da nossa instituição. É um trabalho constante e os resultados virão como fruto de um maior número de promotores atuando na área para ajudar os gestores públicos a diminuirem estes índices.
O investimento tem se realizado, principalmente, no quadro funcional de membros e servidores, para atuar nos municípios do interior onde não havia promotores titulares ou que apresentavam déficit de membros em relação à quantidade de juízes. De 2020 para cá, foram empossados mais de 30 novos promotores de justiça e pelo menos 50 servidores. E estamos com concurso em andamento para novos servidores.
Além disso, o MP desenvolve projetos voltados para a promoção de políticas públicas, que é responsabilidade do poder executivo, e acompanha e fiscaliza o andamento e os resultados. Na educação, temos projetos como o “educação inclusiva”, cujo objetivo é promover o direito da educação a todos, combatendo o capacitismo no ambiente escolar; recentemente, estive com o secretário estadual de educação tratando deste projeto; temos o “saúde + educação”, que consiste em inspeções técnicas a escolas e unidades de saúde para verificar as condições de funcionamento. Na segurança, o MP desenvolve o comitê interinstitucional de segurança pública (CISP), que promove articulação de diversos órgãos para adoção de medidas e políticas de enfrentamento à violência nos municípios baianos. Já são quase 40 CISP’s regionais pelo estado. Mantemos constante diálogo com a Secretaria de Segurança Pública, atuando como parceiros, sem descuidar do nosso papel de fiscal da lei e em defesa sociedade.
J.I.: Entre agosto de 2021 e julho de 2022, de acordo com a Rede de Observatórios de Segurança, houve um aumento de 47% nos casos de violência contra mulher na Bahia. Como mudar esse péssimo número?
N.C.: A redução de índices de violência passa pela repressão aos autores de crimes e também pela ação educativa preventiva. O MP tem uma atenção especial ao combate da violência contra a mulher. O nosso site de atendimento ao cidadão, lançado em 2021, conta com um espaço exclusivo para que a população faça denúncias de violência contra a mulher. Já no início deste ano, criamos o Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (NEVID), órgão especializado para ações de combate e prevenção a esse tipo de violência. No NEVID as mulheres vítimas de violência conta com atendimento jurídico e também psicossocial.
J.I.: A denúncia é a principal arma para impedir um possível feminicídio?
N.C.: A denúncia pode evitar que situações e ações de violência, principalmente quando reiteradas, desemboquem na perda da vida da vítima. Então, é fundamental que as pessoas, vítimas ou testemunhas, denunciem. A violência doméstica acontece em todas as classes sociais. Temos o site de atendimento, temos o disque 127, que facilita o acesso da população baiana ao MP. Peço que todos liguem e denunciem casos de violência contra as mulheres. É fundamental. Além disso, políticas de estado envolvendo educação e segurança são fundamentais na redução desses índices alarmantes que em mais de 70% são cometidos por companheiros das vítimas.
J.I.: Em maio a senhora completa um ano a frente da Conselho Nacional dos Procuradores-gerais do MP. O que pode destacar da atuação do órgão?
N.C.: O CNPG é um importante órgão de articulação política institucional que discute e define importantes demandas e diretrizes para nossa atuação, com o objetivo de defender os princípios, prerrogativas e funções institucionais do Ministério Público brasileiro.
Posso destacar o trabalho desenvolvido junto ao Congresso Nacional; o acompanhamento das questões do Conselho Nacional do Ministério Público, apresentando notas técnicas sobre matérias institucionais em diversas frentes; da mesma forma, o acompanhamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visando o fortalecimento do sistema de justiça e tribunais superiores; o fortalecimento da atuação do Grupo de Direitos Humanos (GDNH), que atua em defesa da saúde, do meio ambiente, da educação da infância e juventude, das pessoas idosas e com deficiência, no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Em junho de 2022, criamos o Grupo Nacional de Tecnologia da Informação (GNTI), que tem fomentado a interação entre as unidades ministeriais, de modo a promover o compartilhamento de projetos, experiências, ferramentas e dados, com vistas à expansão e desenvolvimento homogêneos de instrumentos de tecnologia da informação em todo o ministério público brasileiro. Já, no início deste ano, deliberamos pela criação do Grupo Nacional de Execução Penal (GNEX), para auxiliar o aperfeiçoamento da atuação do MP na fiscalização da execução da pena.
Também votamos os nomes do MP indicados para a vaga reservada à instituição no CNJ, enviando a lista tríplice para o Procurador-geral da República escolher. Agora, vamos fazer a eleição para três vagas dos estados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A eleição será no dia 26 de abril. Ressalto, também, o trabalho articulado no Grupo Nacional de Combate ao Crime Organizado (GNCOC), articulando com os GAECOS dos Ministérios Públicos dos Estados e da União, no combate à criminalidade macro. O CNPG também atuou na defesa do regime democrático, se posicionando contrário aos atos criminosos praticados na praça dos três poderes em Brasília, participando de reuniões interinstitucionais, entre elas, com o Ministro da Justiça, a Procuradoria Geral da República, além dos órgãos de segurança estaduais. Foi realizado termo de cooperação técnica e administrativa com o MPF para o desenvolvimento de ações integradas que visam à qualificação ao enfrentamento à macrocriminalidade nos estados, incluindo a Bahia, com maior agilidade e efetividade na investigação em persecução penal.
J.I.: Mulheres são maioria da população, dos eleitores, nas academias, mas minoria em espaços decisórios. Como mudar esse quadro?
N.C.: Acredito que a mudança se dá com educação, voltada para a igualdade de gênero e de direitos. A mulher, hoje, pode estar na função, no lugar que ela quiser. Mas precisamos seguir na luta, não de um momento só, e sim de continuidade. Então, devemos batalhar pela educação e conscientização da sociedade, sendo exemplo e mentoras, para que mais mulheres assumam funções de promotora, professora, juíza, cargos políticos. No espaço político, há ainda um déficit muito grande da presença feminina, porque ainda há um número muito minoritário de mulheres no poder legislativo. Já no sistema de justiça isso não ocorre, os números hoje são equivalentes entre homens e mulheres. O MP da Bahia é um órgão privilegiado, porque tem mulheres na sua chefia, na sua Corregedoria e na sua Ouvidoria. Hoje temos mais mulheres do que homens na instituição. São 305 mulheres, promotoras e procuradoras de justiça, e 291 homens, promotores e procuradores. E são 1.163 servidoras e 910 servidores. Para além dessa luta por espaços de poder, é necessário o combate diário pela redução da violência. Porque o que todas as mulheres ainda sentem hoje é o número de violência crescente contra nós. O que costumo dizer para os homens é que, se somos a maioria, a outra parte veio de nós, são nossos filhos. Então, os homens não devem nos considerar como adversárias, mas como parceiras, para trabalhar por um país melhor e igualitário, entre homens e mulheres.
J.I.: O MP é um ramo do direito. Qual mensagem a senhora deixa para uma menina que sonha em seguir essa área?
N.C.: Sou suspeita nessa área. Para mim, é uma das melhores carreiras, que permite uma dimensão mais igualitária. Nos concursos, nós nos igualamos e as oportunidades são para todos. Sem nunca deixar de ser mulher, buscar por meio do estudo aquilo que se almeja, seja em qualquer área, sendo boa naquilo que você faz. Se você for uma dona de casa, seja uma excelente dona de casa. Se for uma política, realmente exerça o papel com maior dignidade possível. A mulher pode crescer em qualquer área, quanto ela faça com competência, com sabedoria e com a humanidade que são próprias das mulheres. Nós mulheres não queremos nem mais nem menos, apenas direitos iguais.