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“A conduta social do acusado, diante das informações obtidas dos autos, não se coaduna com a esperada do homem médio; personalidade do denunciado incompatível com o padrão médio da sociedade”. O trecho em referência consta da dosimetria da pena realizada pelo Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Sirinhaém, interior de Pernambuco, após condenação pelo corpo de jurados daquela localidade. Objeto de recurso de Apelação perante o Tribunal de Justiça, a pena foi mantida pela Corte.
Evidencia-se no trecho da decisão citada que o magistrado em questão utilizou o barema do chamado “homem médio” para valorar negativamente as circunstâncias judiciais na individualização da pena. Contudo, de tal valoração não restou claro quais foram os parâmetros axiológicos que definiram o “padrão médio” da conduta social e da personalidade, valorados na sentença como circunstância judicial negativa.
No entanto, o certo é que as circunstâncias consideradas “fora de padrão” pelo magistrado representaram acréscimo de pena ao condenado. Mais precisamente, por conta das circunstâncias “conduta pessoal” e “personalidade”, foram acrescentados dois anos adicionais na pena-base, que passou do mínimo legal, 12 (doze) anos, para 14 (quatorze) anos.
Não são raras as decisões que se utilizam de um padrão de ser humano médio para fundamentar ou mesmo individualizar a imposição da pena. Isto permite fazer reflexões sobre aquilo que se entende como culpabilidade do fato e do autor. Também permite questionar qual o paradigma utilizado para medir um padrão dito “médio” de conduta social ou personalidade. Esquemas dessa natureza podem interferir no juízo de condenação ou absolvição de alguém. Em última análise, agir de acordo com a expectativa de conduta de um ser humano médio pode representar a diferença entre ser condenado ou absolvido. Ser estranho a tais padrões, por sua vez, pode ser fundamento – ou pretexto – para imposição de pena a um indivíduo concreto.
O modelo do “homem médio” repercute também na dosimetria da pena, representando dias, meses ou anos adicionais de punição por conta de um modelo hipotético de pessoa construído na sentença e que se diferencia do réu. Nesse contexto, o presente artigo pretende discutir, a partir de uma concepção de culpabilidade individualizante, a suposta legitimidade da imposição de padrões generalizantes a partir do chamado “cidadão médio”.
Para tanto, estabelece-se as relações entre o chamado “homem médio” e baremas generalizantes de culpabilidade, em seguida, demonstra-se como tais juízos, utilizados para fundamentar eventuais condenações, não se coadunam com a valorização de diferenças próprias de um Estado Democrático e multicultural.
Sebastian Borges de Albuquerque Mello
Doutor em Direito pela UFBA. Professor Adjunto do PPGD/UFBA. Advogado.
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ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3051-2966